Palácio do Planalto escolhe o Exército como referência em engenharia e logística‏

03 Nov 2013
Sinal verde-oliva para as obras
Agilidade na execução, baixo custo e amplo domínio de ferramentas digitais de gestão levaram o Planalto a escolher o Exército como referência em engenharia e logística
SÍLVIO RIBAS


Brasília e São Paulo — A presidente Dilma Rousseff se convenceu de que o Exército tem a melhor experiência e a mais avançada tecnologia para servir de modelo em todas as investidas do setor público na área de infraestrutura. Após liderar e sustentar o ritmo de 16 importantes projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a instituição foi convocada pela "comandante suprema das Forças Armadas" para uma tarefa mais audaciosa. Ela quer que os engenheiros militares estabeleçam o padrão gerencial de planejamento e de execução de obras. Esse esforço estará completo no lançamento de portal na internet dedicado ao tema, até 2015.
A meta é fazer com que todos os empreendimentos federais atinjam o mesmo patamar de eficiência, economia e rapidez obtido pelas tropas nos canteiros, cujos convênios despertam grande interesse. Hoje, 20 projetos estão nas mãos dos 12 batalhões de engenharia espalhados por todo o território nacional, orçadas em R$ 1,2 bilhão. "O nosso desempenho e o nosso custo não podem ser comparados aos das empreiteiras privadas, pois temos muitas diferenças em relação a elas. Os militares encaram as obras não como negócio, mas como missão", pondera o general Joaquim Brandão, chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC).
Criada em 1880, o departamento que ocupa o terceiro piso de um dos prédios do Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília, comanda 15 mil militares em todas as regiões do país, seja como executora seja como gestora de obras, ou mesmo em ambas as funções. Uma nova competência é a de consultoria em projetos, como a dada ao Ministério Público da União na avaliação de edificações. Sem perseguir o lucro, suas atividades têm como base acadêmica o Instituto Militar de Engenharia (IME), formador de nível superior, localizado no Rio de Janeiro.
Brandão conta que, por meio de parcerias tecnológicas com empresas e centros de pesquisa, o IME consegue se manter atualizado e gera inovações. "Os próprios projetos dos quais participamos servem não só para contribuir com o desenvolvimento do país e complementar a ação do governo mas também para treinar nosso pessoal", acrescenta. Isso porque a capacidade de construir do Exército serve ao propósito de agir com presteza em tempos de guerra, restaurando edificações ou abrindo novas ligações terrestres.
 Produtividade
É por essas razões que ele admite a possibilidade de nem sempre a produtividade das equipes do DEC figurar acima da iniciativa privada. "Temos o diferencial do custo da mão de obra não estar incorporado ao orçamento final, além do uso de equipamentos próprios e de uma disponibilidade para continuar trabalhando sem interrupções", salienta o general. "Para uma obra tocada por militares parar é preciso ter ocorrido um fenômeno gravíssimo", reforça, lembrando que o recrutamento de pessoal local integra o papel social da instituição de qualificar profissionais fora de seus quadros.

Em parceria com a multinacional norte-americana Autodesk e contando com uma mão de obra especializada e de cobertura nacional, o Exército planeja dar ainda mais rigor técnico aos seus serviços, realizados em até mil quilômetros de distância da base. Temas como preservação ambiental e equilíbrio financeiro passaram também a ser alvo. Em paralelo, o DEC e outros órgãos da instituição investem no controle de dados para gerenciar não só o trabalho nos canteiros como também equipamentos, compras e planos de manutenção e de demolição de edificações.
Apoio na transposição

» André Clemente
 Recife — Obra fundamental para os objetivos eleitorais da presidente Dilma Rousseff no Nordeste, a transposição de águas do Rio São Francisco só avançou graças à mão amiga e eficaz do Exército, que impediu a paralisação total das obras. O Batalhão de Engenharia assumiu dois blocos do chamado Eixo Norte e uma parte do Eixo Leste, devidamente entregues. Apesar da prontidão militar, as construtoras licitadas não fizeram a sua parte e atrasaram a programação global.
Em 2011, quando estava prevista a conclusão do projeto, o Ministério da Integração registrou só 5% de progresso. Foi o pior desempenho desde o início efetivo, em maio de 2007, durante o governo Lula. O então ministro Fernando Bezerra Coelho garantiu que 2012 seria bem diferente, mas não houve sequer um balanço, com a desculpa de falhas contratuais e reabertura de licitações para agilizar os trabalhos. Em paralelo, os operários fardados davam conta do recado com o lema "devagar, mas andando". Toda a contratação de empreiteiras só foi finalizada em setembro último.
O Exército terminou em junho de 2012 a primeira etapa de todo o empreendimento — o canal de aproximação, com dois quilômetros até o ponto de bombeamento, e a barragem Tucutu (PE), com 1.790 metros de extensão e 22 de altura, com capacidade de armazenar 25 bilhões de metros cúbicos de água.
O Eixo Norte vai beneficiar 7 milhões de pessoas nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O canal de 140 quilômetros até o reservatório de Jati, no município pernambucano de Cabrobó, só deverá ser inaugurado em março de 2015. O projeto piloto contempla 20 quilômetros de canais, cujos testes de operação podem começar em abril do ano que vem.

Frentes em MG e na BA

Pedro Rocha Franco
» Luiz Ribeiro
 Belo Horizonte e Montes Claros (MG) — Os Batalhões de Engenharia do Exército cumprem em tempos de paz convocações para várias frentes, muitas delas rejeitadas pela iniciativa privada. O Batalhão Mauá, sediado em Araguari, no Triângulo Mineiro, atua há cinco décadas no estado, onde entregou 20 obras de estradas, aeroportos, ferrovias e edificações. A unidade está encarregada atualmente da reforma do aeroporto de Caravelas (BA) — interditado pela Aeronáutica desde 2007 devido às más condições da pista — e da rodovia até o terminal.
Estratégicas para o turismo na região de Abrolhos e para o escoamento da produção agropecuária, essas obras enfrentam grandes desafios de projeto e sofrem com as constantes chuvas. A presença dos soldados nos canteiros incomoda executivos da construção pesada, que os apelidaram de empregados da "maior empreiteira do Brasil". "As empresas só chiam quando têm interesse", rebate o subtenente Marcelo do Nascimento, um dos responsáveis pelo projeto na Bahia.
A previsão é de que o aeroporto esteja pronto até dezembro. A próxima investida do batalhão será em 2014, na manutenção da BR-367, em Virgem da Lapa(MG), e na sua cidade sede, onde a prefeitura firmou convênio para construir estação de tratamento de esgoto, redes pluviais, calçadas, drenagem e asfaltamento de ruas. "Nossa economia será de 30% em relação a uma contratada do setor privado", comemora o secretário municipal de Planejamento, Nilton Eduardo Castilho, lembrando que o Exército é dispensado de pagar os impostos e encargos sociais exigidos das empresas particulares.
O desafio da transparência

As empreitadas militares buscam, por meio da tecnologia, responder melhor às auditorias internas e às regras de licitações públicas. Até programa usado por Hollywood em animações é adotado como instrumento para reduzir custos e minimizar o risco regulatório
SÍLVIO RIBAS
 São Paulo e Brasília — Apesar da agilidade para iniciar e entregar projetos complexos, a "empreiteira" do Exército não está imune às regras das licitações públicas de infraestrutura e ao monitoramento dos órgãos de controle. As exigências feitas a governos e a empresas também devem ser seguidas pelos militares, que ainda são sondados pela sua própria auditoria. "É um mito achar que o nosso trabalho está livre de regras e punições", pontua o general Joaquim Brandão, chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC).
Em 2011, a Procuradoria-Geral da Justiça Militar abriu inquérito para apurar o envolvimento de oito generais com irregularidades encontradas em obras tocadas pelo Exército, no período de 2004 a 2009. "Respondemos a todos os questionamentos e nada foi confirmado", informa Brandão, ressaltando que, "como qualquer instituição, as Forças Armadas são constituídas por seres humanos e, por isso, não são incorruptíveis".
O general garante que os 12 batalhões de engenharia sob seu comando têm os trabalhos analisados pela chamada turma do U: Ministério Público da União (MPU), Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). "O único patrimônio do Exército é formado pelos seus membros, pois todos os bens sob sua jurisdição são da União", ressalta. Servindo a "clientes" diversos, como a Infraero e a Secretaria Especial de Portos, o DEC também precisa firmar contratos com empresas cujas especialidades não lhe interessam dominar, como a geologia.
Para contribuir com os sistemas de controle, a Diretoria de Obras Militares (DOM) do Exército estabeleceu intercâmbio com o TCU, na perspectiva de uma futura obrigatoriedade da gestão digital de obras de infraestrutura, a exemplo de países europeus. Além da economia de papel e de tempo nas auditorias, a mudança facilitaria a fiscalização de projetos. "À medida que os agentes aprenderem a usar a informática para analisar por completo as obras, o seu foco evoluirá do simples gerenciamento de documentos à análise de processos", explica o tenente-coronel Washington Lüke, diretor da DOM.
No meio empresarial, grandes multinacionais brasileiras também se espelham no trabalho do Exército para intensificar a gerência digital de projetos. "Usamos esse conhecimento em busca da redução de custos e de prazos em todas as fases da obra", conta Walter Souza, diretor da Odebrecht Latinivest. Ele ressalta que a mesma tecnologia usada pelos estúdios de Hollywood, nos Estados Unidos, para criar cenários e personagens em animações digitais promete revolucionar a indústria e a engenharia civil.
"O Exército Brasileiro é um caso interessante, exibindo custos de construção de estradas até 30% menores, graças ao controle do desperdício de tempo e de material", opina o norte-americano Steve Blum, vice-presidente da Autodesk, empresa dona dos sistemas eletrônicos de engenharia. Ele também vê menor risco regulatório na adoção desses procedimentos.
 Recursos novos
O advogado Bruno Pereira, coordenador do portal PPP Brasil, voltado à promoção da modalidade de contratações por parcerias público-privadas (PPPs) no país, observa que o Ministério da Defesa elaborou quatro projetos, sendo dois para o Exército e dois para a Marinha. Eles abrangem a logística de combustíveis no Tocantins e em Goiás, a construção de um colégio militar em Manaus, equipamentos de educação física e um empreendimento residencial no Rio de Janeiro, que pode abrigar redes de escolas e hospitais. "A vantagem do modelo está na receita, que vem toda do usuário. Além de cumprir a função constitucional, o Exército ganha ao manter a tropa pronta e treinada para qualquer situação", destaca.
O economista Cláudio Roberto Frischtak, presidente da Inter B Consultoria e especialista em investimentos em projetos de infraestrutura, não vê problemas no fato de o governo delegar a militares a execução de obras, "desde que em caráter complementar às empresas privadas". Outro cuidado que recomenda é para a presença do Exército no mercado da construção pesada não servir de barreira à entrada de outros agentes ou num fator de competição desigual.
 » Convite ao setor privado
Para garantir recursos aos seus próprios projetos, o Exército decidiu inovar neste ano ao propor uma parceria público-privada (PPP) destinada a concretizar a construção do seu polo de ciência e tecnologia em Guaratiba (RJ). Previsto desde a década de 1980, o centro voltado ao conhecimento em defesa requer R$ 1,5 bilhão de investimento para sair do papel. A proposta em avaliação pelo Ministério do Planejamento busca atrair grandes empresas para bancarem o complexo e explorarem serviços no local por 30 anos. Como atrativo, é oferecida uma circulação diária de 10 mil pessoas.
Parceria com os norte-americanos
 Vestidos com elegantes ternos e circulando com desenvoltura em grandes eventos empresariais do país, na maioria das vezes como palestrantes convidados, os cariocas Alexandre Fitzner e Washington Lüke seriam facilmente confundidos com executivos de uma multinacional de tecnologia. Só depois de uma conversa, de receber o cartão de visita da dupla ou ainda de ver o material deles nas apresentações de auditório é que o desavisado descobre que o coronel Fitzner e o tenente-coronel Lüke são os cérebros da Diretoria de Obras Militares (DOM) do Exército. "Abrimos mão da farda nessas ocasiões para que prestem atenção no nosso discurso, sem risco de distrações olhando para as estrelas nos nossos ombros", brinca Lüke.
Os dois engenheiros são os maiores divulgadores no Brasil do processo Building Information Modeling (BIM) — ou modelagem da informação na construção —, cujas ferramentas digitais foram desenvolvidas pela norte-americana Autodesk. Há dois anos, a empresa os vem colocando com destaque em encontros com o mercado e com o meio acadêmico brasileiro, onde o Exército tem a oportunidade de apresentar os avanços e a experiência acumulada nessa área. A maior evidência é a capacidade de executar obras de todos os portes em tempo recorde e com índices de desperdício próximos de zero, a partir do emprego de um sistema 100% eletrônico que reúne desenhos tridimensionais, cronogramas e projeções de gastos detalhados.
 Patrimônio
O sucesso do BIM no Exército se tornou logo um modelo para o resto dos órgãos federais, sobretudo para o gerenciamento e a manutenção do patrimônio. A Força tem sob a sua guarda 78 mil imóveis em todo o país, de ginásios a piscinas e de capelas a residências, passando por hospitais e escolas. "Conseguimos ter uma visão completa e em tempo real do estado de cada um dos empreendimentos militares. Órgãos de governo e até empresas privadas estão interessados em assinar convênios para dominar essa metodologia moderna", revela Fitzner. No segmento da construção, contudo, é onde o conhecimento dos dois profissionais que despacham no Quartel-General, em Brasília, soa mais promissor e para o qual recebeu a maior incumbência presidencial.
"O BIM vem avançando na engenharia e na arquitetura por ser um processo integrado, que amplia a compreensão do empreendimento e proporciona a visibilidade dos resultados. A coordenação das equipes sai ganhando, com menos perdas e tomada de decisões importantes logo no início do projeto", detalha Lüke. No Plano Diretor de Obras Militares (Geo PDOM), todas as informações são gerenciadas. Pelo Sistema Opus, é feita a gestão do ciclo de vida da infraestrutura militar, vocacionada para a segurança nacional.
Sob a supervisão deles, está sendo criada uma série de bibliotecas virtuais do BIM verde-amarelo, ajustado aos materiais usados nas obras, às planilhas de orçamentos e às normas técnicas e burocráticas do país. Os conceitos de eficiência energética e as exigências de certificação estão contemplados. "Qualidade, legalidade e sustentabilidade econômica e ambiental norteiam o esforço para compilar e transferir essa tecnologia", diz o tenente-coronel. Seu colega da DOM lembra que o modelo já foi testado na construção de ramais do metrô paulistano e na reforma do Aeroporto de Campinas (SP) e dos estádios do Maracanã (RJ) e da Arena Pernambuco, entre outros. (SR)
 » Dnit segue o caminho
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), autarquia que executa obras em rodovias, adotou, nos últimos dois anos, meios modernos de contratação e administração de obras, visando sepultar longo histórico de irregularidades e, ainda, ser modelo de transparência e eficiência. Em 2011, o órgão ligado ao Ministério dos Transportes foi alvo de denúncias de corrupção que culminaram com a queda do então diretor-geral, Luiz Antônio Pagot. Foi substituído pelo General Jorge Fraxe. As acusações paralisaram projetos e suspenderam editais. Acabar com impressos até 2014 estava nas metas das 23 superintendências regionais.